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O Gigante de Itapema


O Gigante de Itapema

 

Hoje, muitos sócios vivem o Clube Internacional de Regatas em seu dia a dia: de manhã podemos encontra-los se exercitando entre os aparelhos da sala de ginástica ou praticando canoa havaiana, alguns trazem seus filhos para a natação ou basquete; outros, vão praticar tênis ou beach tennis. À tarde e à noite, além do clube fervilhar com suas escolinhas, temos a sauna para relaxarmos ou o restaurante para saborearmos uma deliciosa pizza. Esse cotidiano faz-nos sentir como sendo o clube a extensão emocional de nossos lares. É nele que nos divertimos, descansamos, nos encontramos com amigos e amigas de longa data, ou simplesmente relaxamos.

Lembro das histórias, recheadas dessas mesmas impressões, que meu avô Agostinho Antunes Pimenta Ribeiro me contava, algumas delas fruto das narrativas de meu bisavô Albino Jaime Pimenta Ribeiro, exímio remador e nadador de longas distâncias. Época em que os amigos da família se divertiam nas dependências do amado Vermelhinho, estabelecido então em um pedaço de terra encravado em Itapema. Lá, se esbaldavam em brincar de bola ao cesto, futebol e polo aquático, praticavam atletismo, arriscavam no croquet, participavam de festas, sonhavam com o futuro,

Tantos eram os nomes e respectivas alcunhas daquela época que nas conversas de família eram lembrados: Theodomiro Freitas Nascimento, Sinésio Caetano, Francisco Giorno, os irmãos Malavasi, o Ribeiro (de apelido “Triste”), Nelson Serra, Ignácio Gonçalves (“Gigante”), Gastão Ribeiro do Santos, Jacob Reis, Eugênio Pabst, Arnaldo Aguiar Barbosa (“Tenente”), Souto Correa (”Limburja”), Ítalo Mamberti, Francisco Firmo Pereira (“Javali”), entre outros os quais não me recordo nesse momento.

Como vovô mesmo dizia, uma turma que adorava uma boa patuscada.

Nessas conversas que antecediam os almoços de domingo, vez ou outra a memória afetiva da família buscava distração em nostálgicos mergulhos nos idos de 1902, época em que o Clube Internacional de Regatas retornava à região de Itapema, ao comprar um terreno. Sobre ele construiu sua sede social, quadras de croquet e bola ao cesto, campo de futebol, pista de atletismo. Lá também se praticava esgrima, natação e remo, além de manter espaço para armazenar sessenta embarcações.

Naquela época de Itapema, as competições que imperavam na cidade de Santos eram as regatas. Vovô contava que a população santista e da região compareciam em massa, na região do Valongo para, segundo palavras do querido cronista Carlos Alberto Hernandéz, grande amigo da família, “aplaudir os remadores de maior projeção, e incentivar à vitória as cores do grêmio de sua preferência. Até arquibancadas eram armadas”.

Sim, meus queridos leitores, essas competições promoviam situações que hoje podem nos causar estranheza. Ainda segundo o querido Hernandéz “navios no porto eram fretados pelas torcidas dos clubes e, embandeirados e com orquestra à bordo, permaneciam fundeados nas proximidades, para a realização de matinés dançantes durante os páreos. Sociedades esportivas de São Paulo e Rio de Janeiro vinham participar das competições, que se transformava em acontecimento social memorável. Os campeões angariavam renome na cidade, ficavam conhecidos e renomados, apontados nas ruas como quase-heróis”.

Esses campeonatos eram levados tão a sério que os praticantes Vermelhinhos e de outras agremiações imprimiam uma carga de treino absurdamente elevada, para os padrões da época. Grupos de atletas se formavam a qualquer tempo vago – principalmente pela madrugada antes de seguirem para o trabalho – atravessavam o estuário, tiravam seus barcos da área de repouso, e os colocavam na água para se exercitarem.

Nessa época, nosso querido Vermelhinho era conhecido como o “Gigante de itapema”, verdadeiro devorador de títulos no esporte do remo. Estava instalado à beira-mar um celeiro de vitoriosos, realizadores de feitos extraordinários de glórias e destaques nacionais, refletindo a dedicação com que os atletas Vermelhinhos encaravam as lides esportivas, quando a missão era defender o Clube Internacional de Regatas.

De vitórias lendárias, um desses barcos, segundo sempre dizia Hernández, trazia encravada em suas estruturas não o apuro técnico dos remadores que compunham sua guarnição, nem as medalhas e troféus conquistados, mas por ser uma embarcação símbolo. Trata-se do barco “Poranga”.

Os atletas que o dominavam eram quatro: Agmar Sampaio, Estevão Pereira, Osvaldo Franco Domingues e Ramiro Bezerra da Rocha.

Segundo vovô, neles se revelava a prova latente de que o esporte era uma forma ideal de fazer amigos. Dava gosto de vê-los aos sábados e domingos na sede, confraternizando, exemplo de companheirismo sadio, a se deliciarem mencionando episódios envolvendo o grupo e o barco Poranga. E hoje, tal exemplo de amizade segue corrente pelas dependências do Clube Internacional de Regatas, entre sócios praticantes de futebol, basquete e tênis, por exemplo.

Falemos mais  dos tempos de Itapema.

Em 25 de maio de 1902, o Clube Internacional de Regatas iniciava importante etapa em sua história de busca por uma sede própria, em local estratégico para as suas atividades, principalmente náuticas: impulsionado pela dificuldade de condução e precariedade de instalações existentes no terreno alugado, se transferia da Ponta da Praia para Itapema, região localizada do lado continental do Estuário e hoje conhecida como Vicente de Carvalho.

E aqui cabe um longo e saboroso relato do cronista Hernandez, do qual faço também as minhas palavras; “Nas muralhas do antigo Forte de Vera Cruz de Itapema, onde posteriormente funcionou o Posto Fiscal da Guarda Maria da Alfândega de Santos, as moças do Internacional, demonstrando força de vontade e espírito de equipe, operaram verdadeiro milagre carpindo, limpando, adaptando, transformaram as velhas ruínas num recanto pitoresco e aprazível. O armazém de propriedade de Wilson Sons & Co Ltda., instalado ao lado do forte, foi alugado para servir de abrigo às embarcações utilizadas na prática do esporte do remo, então em grande voga.

O tempo transcorria suavemente, entre provas de regatas e alegres fins de semana. A agremiação começava a se firmar. Foram reatadas as boas relações com o Clube de Regatas Santista, criou-se um curso de remo para os sócios, foi adquirida a primeira lancha de gasolina que navegou em nosso porto, e como acontecimento de maior relevo, os anais da entidade lembram a participação ativa que a mesma teve na Comissão de Socorros e Homenagens às vítimas da catástrofe do navio Encouraçado Aquidabã que, em janeiro de 1906, sofreu um naufrágio após forte explosão de origem desconhecida, que o partiu ao meio, levando à morte cento e treze marinheiros e oficiais do mais alto escalão da Marinha. Acompanhado pelos cruzadores Barroso e Tamandaré, a expedição tinha como missão pesquisar áreas para a instalação do Arsenal da Marinha, na Baía de Jacuecanga, em Angra dos Reis.

Possuía o clube, na ocasião, cerca de trinta embarcações em sua garagem, e o número de associados passava de cento e cinquenta.

Foi nessa época – precisamente em 13 de outubro de 1904 – que a diretoria do Vermelhinho decidiu adotar como oficial o “Hino do Clube Internacional de Regatas”, com partitura de autoria de Carlos Sotomayor e Affonso Schimidt, gentilmente oferecida pela Sociedade Musical Colonial Portuguesa, da cidade de Santos.

O clube permaneceu pouco mais de três anos nesse local. Tendo o Ministério da Fazenda manifestado intenção de instalar um holofote na fortaleza, aproveitando também o armazém onde estava instalada a garagem de barcos, para serviços de fiscalização noturna do porto, abriu-se subscrição, entre os associados, destinada para aquisição de uma área do terreno num lugar denominado Paecara, também no Itapema.

O clube já possuía ali, por conta de uma compra anterior, uma gleba medindo vinte e cinco metros de frente para o mar, por cinquenta de fundos. Dada, porém, sua insuficiência, uma Assembleia Geral concedeu poderes à diretoria presidida por Jorge de Sá Correa, para ampliação dessas terras. E, através de donativos e empréstimos, conseguiu-se desdobrá-los para 4.000 metros quadrados.

O terreno teve de ser convenientemente preparado, roçado, destocado, e aplainado. Houve necessidade de drenagem, abrindo-se 245 metros de valas para escoamento das águas e construção de um cais. Em 9 de novembro de 1905 era lançada a pedra fundamental da sede própria do Clube Internacional de Regatas e as obras tiveram início.

As dificuldades seguiam também para o acesso ao local, que era ermo, alagadiço, e desprovido de tudo, inclusive de água potável. E os obstáculos que tiveram de ser superados para o transporte dos materiais. Mas valeu a pena: em setembro de 1906, entre grandes festejos, foi inaugurado o prédio para guarda da pequena frota de barcos e instalação da sede. Foi a primeira edificação de clube náutico do litoral brasileiro.

Tanto impressionou a cidade à cidade de Santos o notável empreendimento, que os edis da época ofereceram na ocasião, à Diretoria, valiosa medalha de honra, cunhada em ouro, até hoje guardada com devoção e carinho entre nossos troféus de maior significação.

Em 1908, o presidente do Vermelhinho, Francisco da Costa Pires, adiantou de seu próprio bolso o dinheiro necessário para que o Clube Internacional de Regatas comprasse nova extensão de terra, passando a propriedade a medir 156 metros de frente por 100 de fundos, uma transação que enriqueceu o patrimônio social.

Com o passar dos anos e o desenvolvimento das atividades do clube, sentiu-se a necessidade da construção de um edifício exclusivo como sede social. Além da garagem que já estava superlotada de embarcações e outros materiais flutuantes, nada mais havia senão os vestiários dos atletas.

Foi na gestão de Juvenal Franco de Camargo, em 1923, que o sonhado edifício foi entregue aos associados. Localizado junto a garagem de barcos, nele passaram a ser realizadas todas as festas e reuniões. Era um confortável bangalô, integrando um belo conjunto que se ia moldando sob a forma de praça de esportes, com campo de futebol, pista de e atletismo, quadras de “croquet” e de bola ao cesto.

O Clube Internacional de Regatas já era chamado naquele tempo de “O Gigante de Itapema”. Chegou a possuir mais de sessenta embarcações, e suas vitórias sucessivas em competições de regatas tornou o Vermelhinho conhecido e respeitado até mesmo fora dos limites de nosso Estado. Com essa forte inclinação de pioneirismo, desenvolveu de forma extraordinária o polo aquático santista.

A quantidade de associados crescia de forma vertiginosa, transformando a sede um local de convívio quase obrigatório para inúmeras famílias, nos fins de semana.

O trabalho, o idealismo, o desprendimento, a fibra uma compreensão superior do Esporte, iam trazendo ao Clube Internacional de Regatas todo o sucesso, prestígio e a glória que qualquer clube possa jamais almejar. Sucesso, prestígio e glória, que perduraram por mais de trinta anos, num período de ininterrupto apogeu”.

Os anos avançaram, as mudanças urbanas trouxeram novos ares, novos hábitos à cidade de Santos. E com eles, surgiram nuvens negras e assustadoras, apresentando no horizonte do Vermelhinho a mais tenebrosa das tempestades: as elevadas e constantes perdas de associados.

Até que, em janeiro de 1934, passando por uma terrível crise que o apequenava, e em nada lembrava os áureos momentos do Gigante de Itapema,  uma sessão extraordinária do Conselho Deliberativo colocava em pauta a triste e real possibilidade do Clube Internacional de Regatas ser extinto, em meio à sua asfixiante agonia.

Mas esse fato reservo para outra história, para outra crônica.

Fiquemos com a saborosa atmosfera dos tempos de Paecara e das glórias do Clube Internacional de Regatas, o Gigante de Itapema.

Saudações Vermelhinhas!