Ser sócia do Clube Internacional de Regatas sempre me proporcionou o prazer de conhecer e conviver com pessoas boníssimas, algumas delas amigas de mamãe que acabaram também se tornando minhas amigas. Entre elas, algumas especiais, que nos deixaram para seguir em outro plano, como as queridas Magali Ribeiro Rodrigues, Maria Helena Crescenti Aulicino, e Arlene André Martins.
Dias desses, me veio a imagem de uma amiga que não encontro há um bom tempo. Ela impressionava pela beleza, delicadeza, e nível de consciência. Suas palavras sempre traziam acalento e sensatez para as minhas dúvidas existenciais. Falo da querida Sonira Malatesta, esposa de João Malatesta, ex-presidente do Clube Internacional de Regatas nos anos de 1978 a 1982.
Esse casal boníssimo inspirava as pessoas a buscarem o melhor de si no dia a dia. Papai e mamãe os conheciam de longa data, por conta do trabalho que ambos fizeram junto a Igreja Católica; cada casal em sua paróquia, ou em conjunto na Diocese: Comunidade de Jovens, Equipe de Nossa Senhora, Grupos de Casais, Coordenação da Semana da Família, e Cursilho.
Aos que não são católicos ou não seguem as atividades da Igreja, eram trabalhos cuja entrega voluntária e determinação de fazer o Bem superavam o entendimento humano.
Nossas famílias se frequentavam e, com isso, uma aproximação criara os laços fraternais entre nós.
Ao longo dessa convivência, trago aqui algumas passagens que impactaram diretamente na Jornada que o nosso amado clube avança, em suas décadas de resiliência e conquistas.
Como a do dia em que a querida Sonira foi nos visitar, no final de junho de 1978.
O motivo da visita era para conversar com mamãe sobre uma tarefa que ela e o saudoso tio João iriam encampar nos próximos dois anos: a de assumirem a gestão executiva do Clube Internacional de Regatas.
Mamãe e papai apoiavam essa iniciativa do casal amigo. João e Sonira injetariam nos alicerces da comunidade Vermelhinha algo mais do que uma renovação: uma reafirmação de valores, todos eles voltados para a família contemporânea.
Tanto que, assim que sentaram para o chá da tarde, mamãe tratou de abordar o que para ela estava nítido:
– “Você não parece nenhum pouco nervosa, Sonira!” – disse mamãe, demonstrando atenção para com a amiga.
– “Izabel, minha querida, não demonstro mas estou ansiosa para que esse dia logo chegue. João está assumindo uma grande responsabilidade, e quer deixar um legado de comunidade familiar estendido a todos os associados”.
– “Sim, Sonira. Não esperamos menos de vocês, por tudo que João tem falado para José Arthur. Meu marido bebe da mesma taça, você sabe muito bem. A Família é a base de tudo”.
– Claro, Helena! É isso! Tanto que essa será a baliza que vai nortear tanto o discurso de posse do João, como as palavras que ele pediu para que eu escrevesse, mostrando o meu ponto de vista nesse belo trabalho que pretendemos realizar. Até trouxe aqui, para te mostrar”.
– Estou curiosa para ouvir!”.
Delicadamente, Sonira retirou de sua bolsa um pedaço de papel dobrado. Nele, escrito com letra impecável de professora de primário, o texto que seria lido por ela alguns dias depois. Sonira passou a nos narrar o que estava destinado ao Clube Internacional de Regatas:
“Para falarmos do Clube Internacional de Regatas, esta grande comunidade que é a continuação das nossas famílias, é preciso falar da Família. Qual a sua primeira missão? É a de formar pessoas. Como se formam pessoas? Em primeiro lugar, os pais devem dar o elemento principal para a formação dos filhos, que é o Amor. Além do Amor, os pais devem educar, isto é, formar bons hábitos na criança, proporcionar instrução e orientá-las nas diversas fases de suas vidas.
Mas essa formação não se completa apenas dentro da família. É importante o convívio com outras famílias. E esse convívio com outras famílias, nós temos no clube, que é uma grande comunidade. É por isso que o clube deve ser uma continuação da nossa família, pois completa a formação dos nossos filhos. Além do relacionamento entre todos que o clube nos propicia, podemos destacar o esporte como elemento importante e básico para a formação de pessoas. Depende de nós fazer com que o clube seja uma verdadeira comunidade. Para isso, é necessário que todos participem ativamente dela.
Como seria a participação da mulher nessa comunidade? Que ela atuasse dentro do clube como ela atua dentro de sua própria família. E para que ela participe, é preciso que ela frequente, porque sem a presença da mulher não existe família; e sem família, não existe comunidade familiar dentro do clube”.
Na última frase, tanto mamãe quanto Sonira deixaram algumas lágrimas escorrerem pela face. Eu mesmo estava emocionada. Apesar de ter já meus trinta anos, sentia o carinho e a atenção que os jovens receberiam desse casal maravilhoso, que estava prestes a colocar em ação os ensinamentos que levavam aos jovens das comunidades cristãs, na cidade de Santos.
Ao final desse encontro, ao se despedirem, as duas trocaram uma frase de grande significado para elas: “De Colores”
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A Espanha vivia no início da década de 40 um processo de reconstrução após três anos de guerra civil, que ocorreu entre 17 de julho de 1936 a 01 de abril de 1939. Tentava, em meio a inseguranças e incertezas, uma recuperação não só no campo econômico, político e social; mas também no campo espiritual, num país predominantemente católico que estava retornando à superfície, após um doloroso mergulho abissal no caos.
Um desses caminhos foi decidido por um grupo de jovens da Ação Católica, ligado à Diocese de Palma de Mallorca, que se reuniam frequentemente num café, moldando o que viria a ser os alicerces de um movimento com o objetivo de orientar a consciência dos leigos em praticar os ensinamentos da Igreja, transformando esses ensinamentos em compromissos com a comunidade em que viviam. Esse movimento recebeu como nomenclatura “Movimento de Cursilhos de Cristandade – MCC”, ou simplesmente Cursilho.
O fato é que naquela época, era frequente o grupo entoar nesse café, com grande animação, a canção popular “De Colores”, mas com sua letra original modificada, atendendo aos anseios e desejos dos jovens. Com isso, acabou adquirindo novos significados: estar “De Colores” era estar cheios da Graça de Deus, viver com Ele, comprometer-se com o irmão. Era estar com o Senhor.
Valores e atmosfera que o casal Malatesta deixaria evidente desde o primeiro dia de sua gestão.
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Foi uma das reuniões mais concorridas na história recente do Clube Internacional de Regatas: a de posse de João Malatesta, no mais alto cargo da direção do Vermelhinho.
Após apresentar a equipe que, junto ao mandatário, comandariam a gestão de dois anos, João passou a descrever como sua vivência poderia trazer algo de melhor para o clube que tanto amamos:
“Aos 14 anos de idade comecei a frequentar o clube como sócio praticante. Dessa data em diante, o clube passou a ocupar grande parte em minha vida. O convívio com novos amigos, a disciplina que a prática do esporte exigia, as disputas, as conquistas de troféus, e por que não as derrotas? Tudo isso, hoje eu sinto, contribuiu de maneira marcante para a minha formação. Por essa razão, vocês podem imaginar a satisfação que estou sentindo em poder servir a esta comunidade que é o Clube Internacional de Regatas, que tanto me serviu. Gostaria então de agradecer a todos os dirigentes que nos antecederam porque contribuíram para a minha formação, bem como para muitos dos jovens que por aqui passaram.
Para nós, o clube é uma comunidade familiar, onde todos devem participar ativamente. Quanto aos jovens, pretendemos fazer com que eles participem da preparação das programações jovens do clube. Responsabilizando-os, inclusive, pela disciplina e ordem em todas as suas atividades. Os jovens cuidarão dos jovens. Talvez isso pareça utopia, mas eles serão preparados para essa missão. Faremos com eles reuniões periódicas, nas quais além de estudarmos juntos as programações, daremos condições e conhecimentos para que eles possam exercer, à altura, as funções que lhes cabem dentro do clube e, também, para que possam ser os nossos futuros dirigentes.
Nós só poderemos fazer com que o clube seja realmente a continuação de nossas famílias, se procuramos sempre colocar, em lugar da mentira, a verdade; da desonestidade, a retidão; da devassidão, a pureza de costumes; da hipocrisia, a sinceridade; da falsidade, a lealdade; da violência, a fortaleza do bem; da injustiça, a justiça; e do ódio, o amor.
Para tanto, pedimos a colaboração de toda a grande família de que se compõe o Clube Internacional, de Regatas. Pois nós só podemos alcançar o nosso objetivo, que é o bem do clube e do associado, se somarmos esforços. Acreditamos que este seja o desejo de todos e, desde já, agradecemos o apoio que temos certeza, iremos receber de vocês.
Esperamos corresponder à confiança que vocês depositaram em nosso nome. E que, deste momento em diante, o nosso trabalho fale por nós. Muito obrigado a todos”.
E assim, a gestão Malatesta seguiu em frente, buscando converter em ações os seus ideais.
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Foram quatros anos, de julho 1978 a junho 1982, onde a gestão de João Malatesta atuou para um quadro associativo de cerca de 17.400 pessoas, entre sócios e dependentes, desenvolvendo uma série de benfeitorias para oferecer mais conforto e melhores dependências; enfim, um conjunto arquitetônico à altura dos associados, cuja frequência ao clube aumentou a cada dia.
Algumas dessas benfeitorias, são obras que não aparecem mas são de suma importância, como a construção da cabine primária de transformação e medição de força.
Outras, mais robustas, como a reforma total das quadras de tênis e de tamboréu, a reforma total do piso da piscina social, com ampliação da área para banhistas, assim como a melhoria da qualidade de água de piscina e da fisioterapia, cada uma com seu equipamento especial.
Aquisição e instalação de placar eletrônico, sala de jogos para jovens, sala de ballet e ginástica, o surgimento no clube das modalidade Ginástica Rítmica e Yoga, a reforma total da boate, inclusive com compra de toda a aparelhagem de som.
A criação de um espaço para o berçário, atendendo solicitação do quadro associativo; a construção da cobertura ligando o ginásio ao restaurante, assim como a contratação de um novo concessionário para o bar e restaurante, além da construção de churrasqueira.
A gestão também realizou melhorias na Sede Náutica do Clube Internacional de Regatas. Para começar, foi dado um novo impulso para a Marina do clube, transformando a divisão de Náutica em Departamento, além de conseguir a sua legalização junto ao Poder Público.
As benfeitorias realizadas: piscina com trinta pontes de atracação, que dispõe de ponto de água e de energia elétrica, sendo possível abrigar barcos tipo oceano; vestiários masculino e feminino; sala de Administração; sistema de água; eletrificação com lançamentos dos cabos subterrâneos; quiosques com churrasqueiras; galpões cobertos (900 m2), para abrigar cem barcos; área que somada a do estacionamento, estabelece cerca de 1.200 m2 concretados, capaz de propiciar a guarda de 300 barcos de diversas classes; rampa de nove metros de comprimento, por dez metros de largura, para a puxada de barcos; tanques para velas e motores; e sistema de esgoto.
Na área social e cultural, foram contratados shows de Vinícius e Toquinho, Simone, Beth Carvalho, Rita Lee, e tantos outros, na sua maioria atendendo a pedidos dos jovens associados. Além disso, todas as festas constantes da agenda anual foram reformuladas e ampliadas, como por exemplo o Baile da Jamaica, a festa junina e a festa de Natal dos funcionários.
Foi inaugurada a Galeria Bleu, Blanc, Rouge, tendo em média três exposições por ano.
Sustentando cada benfeitoria, obra, ou ação, o propósito que minha querida Sonira teceu em sua mensagem, quando o casal Malatesta assumiu a direção da nau Vermelhinha: o de construir uma comunidade familiar, onde todos, crianças, jovens e adultos, pudessem participar e desfrutar das suas horas de lazer, num ambiente sadio.
Foi o que eu ressaltei uma vez para a querida Sonira, antes de nos despedirmos em nosso tradicional cumprimento: De Colores.
Saudações Vermelhinhas!