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É Logo Ali


É Logo Ali

 

Sempre adorei desde pequena passear com mamãe pela orla da praia. Ocasião em que ela escolhia para mim um belo vestido e um laço de cabelo para combinar com a matiz predominante do traje. Andávamos pelo estuário, sempre em frente ao Clube Internacional de Regatas, local para o qual nos recolhíamos após nos deleitarmos com a paisagem e a pratica de esportes náuticos que ocorriam todas as tardes na região.

Quase sempre encontrávamos com uma bela moça que, em trajes de nadadora, caminhava tranquilamente em direção ao canal do estuário, onde realizaria seus treinos. Quase sempre eu perguntava, em minha doce inocência, se essa moça iria nadar para longe. No que me respondia, com um sorriso cordial estampado em seus lábios, “Não. É logo ali que eu vou!”, apontando para o incerto horizonte que se alinhava distante, em um fio de água.

Após acenos e beijinhos que me mandava enquanto caminhava para a rampa de acesso ao Canal, mergulhava com o ímpeto das campeãs e o vigor das feras aquáticas. Ficávamos ali, eu e mamãe observando suas vigorosas braçadas rasgando o mar crespo, e cruzando o canal uma, duas, três, quatro vezes.

Naqueles idos de 1955, na altura de meus sete anos, não tinha noção de que acompanhava os treinos de uma das maiores nadadoras que o Clube Internacional de Regatas teve em suas fileiras. Seu nome era Sylvia Lilian Bitran. Foi campeã paulista dos 100, 200 e 400 metros livres, campeã brasileira no revezamento 4×100 e nos 200 metros, e a primeira nadadora santista a conquistar um título sul-americano, na equipe de revezamento de 1954. Mas para mamãe Sylvia confidenciou uma vez que seu maior orgulho foi o de ter sido campeã da Travessia do Canal a Nado de Santos por três vezes consecutivas, nos anos de 1954, 1955 e 1956.

A prova da Travessia do Canal foi organizada pela primeira vez em 1937. Uma prova de natação em mar aberto que foi ganhando de ano a ano maior prestígio e repercussão, graças à maneira correta de sua organização e direção, deixando de ser regional e passando a contar com a participação de outros clubes brasileiros, assim como atletas vindos de todo o país. Rapidamente tornou-se uma prova de reconhecimento internacional, o que fez com que a Federação Paulista de Natação reconhecesse oficialmente e a incluísse em seu calendário.

Papai sempre comentava, quando da proximidade desse evento, que todas as agremiações santistas em que se praticava a natação faziam questão de serem representadas pelos seus melhores nadadores. Dentre essas agremiações, o Clube Internacional de Regatas era o que mais se destacava, conquistando resultados expressivos por conta do preparo técnico de suas nadadoras e nadadores, e da reconhecida capacidade dos técnicos que comandavam a equipe, sempre ressaltando a figura de Adalberto Mariani e de seu auxiliar técnico Roberto da Silva.

Em meio a década de 50, a Divisão de Natação era a de maior evidência no Clube Internacional de Regatas, e destaque regional e nacional em suas conquistas.

Em 1955, por exemplo, além das conquistas de nossa nadadora Silvia Lilian Bitran, descritas no início dessa crônica, os resultados de nossos nadadores e nadadoras, vencemos individualmente a prova pela segunda vez consecutiva. Outra conquista expressiva e consecutiva pelo segundo ano foi a prova “Theodureto Souto” promovida pelo Clube de Regatas Tumiarú e realizada em São Vicente. Nessa temporada de 1955, os nadadores Vermelhinhos estabeleceram 21 recordes, sendo cinco paulistas. Destaque também os atletas:

– Daltely Guimarães, recordista brasileiro, paulista e santista dos 100 metros nado borboleta; campeão brasileiro dos 100 metros nado borboleta; campeão paulista dos 100 e 200 metros nado borboleta; e campeão sul-americano do revezamento 4X100 metros quatro estilos, no Chile;

– Washington Davinir de Barros, campeão e recordista do raide Guarujá-São Vicente, num percurso de 30 quilômetros, com o tempo de 8 horas e 13 minutos;

– Antonio Carlos Musa, Nelson Bastos da Cunha, Daltely Guimarães e Humberto Hirano, recordistas paulistas da prova de revezamento 4X100 metros 4 estilos;

– Maristella Mattos Soares, Maristella Braga, Egle Branco, Anamaria Jordão Teixeira, e Wilma de Barros, mantiveram todos os recordes paulistas de iniciantes

Já na XIX Travessia do Canal, realizada em 1957, por exemplo, o atleta Vermelhinho Manoel dos Santos obteve uma espetacular vitória na prova masculina. E de forma que surpreendeu a todos que compareceram. Explico: as atenções para essa prova estavam voltadas para o duelo envolvendo os atletas Sílvio Kelly e Vicente Paula Lima, duas expressões máximas da natação brasileira. E o que acabaram assistindo foi uma hercúlea disputa envolvendo os atletas Manoel dos Santos e João Agostinho de Almeida, ambos representantes do nosso amado Clube Internacional de Regatas.

Grande público presente, combate de gigantes lutando lado a lado até a entrada do funil, momento em que Manoel dos Santos abraçou definitivamente a vitória. Cabe aqui escrever que tal conquista teve seus momentos de suspense, dada a dificuldade dos juízes em apontar o vencedor, conquistada por reduzida diferença cronométrica

Para enaltecer ainda mais a XIX Travessia do Canal a Nado, o evento contou com a prestígio de inúmeras autoridades. A bordo do iate Alcatraz, destacavam-se as figuras do prefeito municipal, Dr. Silvio Fernandes Lopes, que acionou a largada da prova masculina; Remo Petrarchi, presidente da Câmara Municipal, que deu o tiro de largada da prova feminina; o capitão-tenente Francisco Calixto Bezerra, representando o Capitão dos Portos; capitão Hilton Justino, representando o comandante do 6º Grupo de Artilharia da Costa Motorizada; capitão Antonio Nunes Filho, representando o comando do 2º B.C. Bugre; capitão Salvador Muller, do 6º B.C. da Força Pública; Dr. Murilo de Matos Faria, presidente da FPM; Sr. Dario Guimarães, diretor técnico da mesma entidade; Dr. Aldo Duprá, membro do Conselho Técnico de Natação da CBD, e o Sr. Giusfredo Santini, da direção de A Tribuna.

Por falar nisso, a relação do periódico santista com a tradicional prova realizada no estuário registrou êxito sem precedentes em sua vigésima edição, confirmando de forma esplendorosa uma ação em conjunto a favor do esporte.

Promovida pelo jornal “A Tribuna”, a XX Travessia do Canal a Nado, em 1958 contou com a contribuição de diversas frentes e forças, inclusive da população que compareceu em grande número na Ponta da Praia, numa forte resposta de apoio e estímulo aos organizadores, tornando essa edição a mais concorrida de até então, atraente, envolta em brilho incomum.

Segundo o cronista Antonio Guenaga, “para alcançar tamanho prestígio recebeu novos e valiosos colaboradores, uma melhor disposição técnica do funil, adesão de clube do interior, comparecimento de campeões sul-americanos, convite aos maiores atletas da América do Sul dos 1.500 metros – com destaque para o nadador argentino Jorge O. Mezzadra, campeão argentino e sul-americano desse tipo de prova -, e a forte manifestação pública de agrado e reconhecimento público a campeões sul-americanos pertencentes a clubes da cidade”.

O nadador Jorge Mezzadra era dúvida para a prova. Esperado numa quinta-feira, junto com o campeão gaúcho Sidney Gaviolli, não chegou e sua ausência foi considerada certa. Para a grata surpresa dos organizadores – o jornal “A Tribuna” o convidara para disputar a prova -, Mezzadra chegou a Santos à véspera da competição, por volta das 16 horas. Na ocasião foi recepcionado na sede social do Clube Internacional de Regatas, junto com seu treinador Rodriguez Castaño, momento em que receberam demonstrações de verdadeira estima e afeto. Não conseguiu realizar um só treino no percurso. Viu uma parte do traçado ao fim da tarde do dia de sua chegada, e da altura do ferry-boat.

Mas isso não o intimidou no dia da disputa. Mesmo se estacando em diversos momentos da prova para ver se estava ou não avançando na rota certa, teve uma vitória extraordinária, conquistada após intenso embate com o opoente direto na busca de tal conquista – o nadador João Agostinho de Almeida – que não lhe deu tréguas. Chegou a estar liderando parte do percurso, mas a indomável flama do argentino superou ao final o atleta do nosso amado Clube Internacional de Regatas.

Segundo relato de Antonio Guenaga, “a XX Travessia do Canal a Nado deixou de fato imensa saudade. Constituiu uma festa de incomparável beleza e completa consagração ao esporte aquático, com aquela preliminar magnífica idealizada pelo vereador Amorim Filho, que na Câmara Municipal se lembrou de propor a inauguração de uma placa de bronze com os nomes dos elementos santistas que concorreram ao campeonato sul-americano de fevereiro, em Montevidéu, com a inscrição um tanto bairrista, mas muito justa: Santos contribuiu para a vitória do Brasil no campeonato sul-americano de 1958”.

Sylvia Lilian Bitran, Manoel dos Santos, João Agostinho de Almeida, entre tantos outros nadadores e nadadoras construíram em minha memória afetiva o sentimento de dedicação e determinação que envolve a busca de um objetivo, por mais espinhoso ou inalcançável que seja.

Atletas que historicamente inspiram meninas e meninos lapidados nas raias de nosso amado Clube Internacional de Regatas, a se tornarem atletas competitivos, transformando a longa estrada de suas Jornadas em um delicioso passeio, com a sensação que a conquista está logo ali, na próxima braçada.

 

Saudacões Vermelhinhas!