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A Última Fronteira de um Sonho


A Última Fronteira de um Sonho

 

“Uma fase de bonança e progresso que há muito não se tinha notícia”.

No início de 1957, esse era o comentário que mais se ouvia nas rodas de conversas dos associados do Clube Internacional. Fosse nos salões de beleza da cidade ou no clube – em suas quadras de desportos e nas mesas do restaurante -, o orgulho não cabia dentro das pessoas.

Também pudera: o clube vivia um momento áureo, baseado no trabalho e dedicação das últimas e atual gestão, comandada pelo presidente Nelson Serra.

Papai contou certa vez que tocou nesse assunto com um amigo, num almoço de domingo, em fevereiro de 1957, que antecedia a semana de uma importante Assembleia Geral que ocorreria no Clube Internacional de Regatas, onde finalmente a diretoria realizaria um sonho cobiçado há anos: a aquisição do terreno localizado atrás do Instituto de Pesca, e que ampliaria as fronteiras do Vermelhinho na região.

A convite de papai, veio nos visitar o querido Carlos Alberto Hernández que, além de um excelente cronista, era o vice-presidente do Departamento de Comunicação do Clube Internacional de Regatas. Entre um debate e outro confirmou a atual situação do clube, algo que sempre foi assunto recorrente nas rodas dos autênticos Vermelhinhos, como papai:

– “Mas Carlos, entendo que a diretoria e o presidente Nelson Serra estejam com total controle da situação. Mas não estaríamos nos precipitando em dar esse grande passo?” – disse papai, após sorver um gole de licor de jabuticaba, o seu preferido.

– “Meu caro José, como você mesmo acabou de dizer, está tudo sob total controle. Nessa assembleia será discutido o futuro presente do clube. E como Nelson costuma dizer, decisões existem para guiar um caminho, e não como verdades absolutas ”.

– “Disso não tenho dúvida, Carlos. O Nelson Serra sempre conversa comigo e bebo da mesma fonte: decisões existem inclusive para serem ajustadas no percurso, com responsabilidade. Bom, então é fato que a planta da nova sede social está concluída.”

– “Sim! Com modernas e amplas instalações para todos os Departamentos, restaurante, bar, salão de festas, auditório, sala de jogos e demais dependências. A previsão é que, não havendo nenhuma mudança brusca no cenário econômico do país, o início da construção aconteça para o meio do ano”.

– “Assim, tão rápido? – papai não questionava tal projeção; mas a confirmava, por acreditar na segurança desses firmes passos.

 – Sim, Zé! Você conhece o Nélson melhor do que eu. Um progressista!

– E os débitos que foram contraídos para a construção da piscina de competições?”

– “Liquidados, meu caro! Tudo normalizado na vida do clube, sob o aspecto econômico e financeiro. Mas como você mesmo comentou, decisões servem como guia, não como verdades absolutas”.

– “Que formidável notícia, Carlos! O clube cresce aos olhos de todos!”, complementou papai, empolgado com as notícias.

– “Sim, e com responsabilidade”, ressaltou Carlos, convicto do momento vivido pelo clube.

– “Não duvido!”, confirmou papai, colocando ponto final no assunto.

E assim, Carlos e papai seguiam na conversa. Mamãe os acompanhava à distância, se distraindo com a leitura do jornal. Já o querido Carlos, parecia ter uma avenida inteira a desfiar:

– “Veja só, meu amigo: no setor social, o clube aumentou em progressão inédita o número de associados. Estamos em via de esgotarmos o limite máximo de admissões, fixado pelo Conselho Deliberativo” – disse Carlos, empolgado.

– “Realmente é notório esse fluxo. Às nossas festas e bailes atraem o melhor da sociedade local, garantindo o sucesso. Veja o estrondoso sucesso dos últimos carnavais e festas de Páscoa. O clube oferece regularmente reuniões dançantes, espetáculos, brinquedos para as crianças, cinema, espetáculos. Além de um impecável serviço de bar e restaurante” – completou papai, orgulhoso do clube ao qual éramos associados.

Foi nessa hora que mamãe decidiu dar o seu pitaco, como dizem hoje os mais novos, se dirigindo a papai:

– “Desculpe, querido, interromper vocês dois. Mas veja que interessante isso. Por coincidência estou lendo aqui um artigo falando do Inter. Diz aqui que nosso clube é o mais eclético do Estado, participando ativamente de campeonatos e torneios oficiais promovidos pela Ligas e Federações em quase todas as modalidades, o que tem garantido posto de honroso destaque  no cenário esportivo de São Paulo e do Brasil: além de campeãs de Travessia do Canal a Nado, Campeãs santistas de Bola ao Cesto, e campeãs santistas e paulistas de Natação, nossas equipes de Tênis de Mesa, Hóquei, Futebol de Salão, Voleibol, Polo Aquático conquistaram esse ano glórias maiúsculas para o ex-Gigante de Itapema, enriquecendo as tradições do Clube Internacional de Regatas”.

Mamãe terminou a última frase com a voz embargada pela emoção. Papai e Carlos trocaram olhares, respeitando aquele momento, e nada mais disseram.

Aquela intervenção de mamãe selava o que todos já sentiam: o nosso amado clube estava em franco e acelerado crescimento.

A Assembleia Geral foi histórica para o clube. Além de tudo o que foi antecipado por Carlos Alberto Hernández no almoço do domingo anterior à sessão, para papai e mamãe.

Nessa memorável reunião com o Conselho Deliberativo, os dirigentes conseguiram a  autorização para realizar a aquisição de vasta gleba de terra localizada aos fundos do Instituto de Pesca Marítima (atualmente, Museu de Pesca) e vizinha à sede, última fronteira a ser conquistada, a fim de cumprir novos e importantes melhoramentos.

Naquele local a Diretoria determinou a construção de duas quadras cobertas para tênis, dotadas de absoluto conforto e em rigorosa obediência aos preceitos da arquitetura moderna, e calçadas em moldes olímpicos. Mais duas quadras, ao ar livre, também serão construídas. Para o restante do terreno, imaginava-se aproveitá-lo com a construção de dependências para croquet, bocha e boliche.

Papai e mamãe estiveram presente a essa Assembleia, em respeito e total apoio a vários amigos envolvidos na gestão do clube, entre eles o próprio presidente Nelson Serra.

Quando o assunto Assembleia Geral surgia em nossa reuniões familiares, papai expunha em detalhes o que aconteceu naquela dia. Dizia, naquele jeito de pai intelectual, que tanto adorava escutar: “A reunião se revestiu de especial significação, comparecendo todos os integrantes da Diretoria do Conselho, além de grande número de associados e famílias.

Iniciando, o presidente fez conhecer, em rápidas palavras, o motivo e importância do ato, apresentando em seguida aos associados, o Sr. José da Silva Pereira, proprietário do imóvel, sua esposa, e também o tabelião Antenor Garcia Rocha, antigo sócio Vermelhinho.

Acertada as bases de negociação pela importância de Cz$ 5.835.000,00a ser resgatado no prazo de cinco anos, seguiu-se a assinatura da escritura de compromisso.

Em seguida, houve falas de improviso, a começar pelo presidente do Conselho Deliberativo , Sr. Luiz La Scala, ressaltando a enorme folha de serviços de Nelson Serra e seus companheiros de Diretoria em favor do clube.

Nelson Serra tomou a palavra, lembrando o forte trabalho das gestões anteriores, ressaltando todo o esforço de Arnaldo de Barros Pires, ao realizar de forma brilhante, em 1946, a construção do primeiro ginásio para a prática de esportes na cidade de Santos, um dos marcos grandiosos da trajetória do “Gigante de Itapema”.

Ao final, convidou todos os presentes para um beberete e salgadinhos, momento em que vários brindes foram levantados.

Uma passagem histórica, que papai sempre finalizava em seus relatos com uma frase, apoiada em um longo suspiro de satisfação:

-“Esse foi um bom dia, que sempre guardo nas lembranças!”

Em maio de 1958, a diretoria do Clube Internacional de Regatas apresentou aos associados o seu ambicioso plano de construção de uma nova sede social. A notícia das construções programadas se espalhou pela cidade, e passou a fazer parte das conversas de mesas de café a salões de beleza. Detalhes não faltaram para alimentar esses debates.

O projeto do Clube Internacional de Regatas, segundo papai, era ambicioso, e previa para as construções programadas uma série de beneficiamentos.

Para começar, uma fachada principal, com setenta metros de frente, dois pavimentos, dez metros de altura.

Nesse primeiro corpo do edifício, estariam localizados o saguão de entrada, hall nobre, galeria, fonte luminosa, espelho d’água, portaria, chapelaria, sala de diretores de plantão, e arquivo.

No segundo pavimento, um hall nobre, galeria, um bar, sala de estar para senhoras, sala de estar para cavalheiros, sala da presidência, discoteca, sala de troféus.

Na área lateral, em direção ao Instituto de Pesca, no andar térreo, após um terraço de vinte e cinco metros por três metros, um salão de 700 metros quadrados reservado para a boate restaurante, bar e amplas instalações internas, constante de cozinha, copa, vestiários, despensa, frigorífico, depósitos, gabinetes sanitários, etc., entradas de serviço e pátio.

No segundo pavimento, um monumental salão de festas com mil e duzentos metros quadrados, tendo ao fundo palco e demais instalações complementares.

Na lateral, em direção a Rua Francisco Hayden, no andar térreo em procedimento ao corpo principal, após o salão de reuniões e um espaçoso corredor no qual será situada a escada de acesso para o segundo pavimento, será construído abrigo para barcos (garagem), com uma área disponível de novecentos metros quadrados.

No segundo pavimento, serão localizados os salões para: televisão, barbearia, três salas para recreação, sala de esgrima, e galerias ajardinadas e envidraçadas.

A frente do edifício, fachada para a Avenida Saldanha da Gama, entre o muro divisório e o terraço, será feito um ajardinamento, obedecendo linhas decorativas e funcionais, no qual, além de lagos e canteiros, será prevista a passagem para carros, localizações de pérgulas, fontes luminosas e etc.

Realmente era um projeto ambicioso, e deveria antes de mais nada, ser pensado e repensado, porque impactaria diretamente no dia a dia do clube.

Hoje, a sede social do nosso amado clube não se parece com essa maravilhosa planta aprovada, porém não executada em sua plenitude. Por mais que se queira executar os sonhos, usando da costumeira determinação e resiliência que orbita em torno de todos os autênticos Vermelhinhos, as decisões a serem tomadas no dia a dia de um clube sofrem influência direta das decisões econômicas e políticas assumidas pelos governos.

Para papai e mamãe, assim como para muitos na época – inclusive o próprio Nelson Serra – a ambição de um sonho deveria sempre estar ancorada na responsabilidade de sustentar ou não uma decisão tomada, sob o risco de torná-la insensata, a ponto de desestabilizar um objetivo final. Como papai mesmo dizia, às vezes era sensato dar um passo atrás para, na sequência, dar dois à frente.

Assim, os caminhos e decisões tomadas pelas gestões que sucederam a do nosso querido Nelson Serra, deveriam seguir pela coerência e determinação de se fazer sempre mais e melhor, com sensatez e responsabilidade, focados no mesmo propósito: “Por um Inter cada vez mais forte”.

Algumas conseguiram, outras não.

Mas essas histórias ficam para um outro dia, uma outra crônica.

Saudações Vermelhinhas