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Os Ippons da Sionzada – Parte I


Os Ippons da Sionzada – Parte I

Em meus quase setenta e cinco anos de sócia do Clube Internacional de Regatas, vi vários esportes serem praticados em suas belas dependências, com esmero e intensidade: futebol, bola ao cesto, voleibol, tênis, natação, hóquei, tamboréu, polo aquático, entre tantos. Para se ter uma ideia, hoje, em nosso querido Vermelhinho, existem mais de vinte e cinco modalidades.

Dentre elas, destaco uma que traz na retidão da disciplina a sua pilastra mais onipotente; e em sua determinação e concentração, os segredos para controlar o emocional na busca das conquistas. Falo no secular Judô e de sua milenar influência oriental.

Foi inventado em 1882 pelo determinado Jigoro Kano, que buscava satisfazer seu desejo em criar uma luta cujos golpes fossem aplicados com mais inteligência do que a costumeira força. Depois de muito beber das fontes de artes marciais, decidiu divulgar o judô, termo que em japonês significa “caminho suave”.

E realmente esse novo estilo não tinha nada de chutes e socos. Se desenvolvia pelo uso de alavancas para mover o oponente de sua posição e, se possível, levá-lo ao chão. Seu momento máximo acontecia quando o atleta conquistava um Ippon, ao aplicar em seu adversário um golpe perfeito – com força, velocidade e controle – e levá-lo a uma queda, encostando as suas costas no tatame, ou imobilizando-o por alguns segundos.

O fato é que, com o processo de imigração japonesa no início do século vinte, o judô aportou nas docas de Santos, trazido pelo mestre Takasharu Sago, e dali se espalhou suavemente pelo país.

Desse primeiro contato com o solo santista até a prática da modalidade dentro das dependências do Clube Internacional de Regatas, passaram-se algumas décadas.

Uma longa Jornada que teve seu início numa distante tarde primaveril de 24 de outubro de 1945, quando um certo José, de movimentos discretos e passos determinados, no vigor de seus vinte e sete anos, entrou pelo portão principal do Vermelhinho, e se dirigiu suavemente pelo caminho que o levou até uma mesinha, estrategicamente disposta no grande canteiro de obras do ginásio poliesportivo principal, obra que seria oficialmente inaugurada em 1948. Sentado em uma cadeira à frente dela, mangas da camisa arregaçadas, vendendo títulos com energia juvenil, o então presidente Arnaldo de Barros Pires atendia de forma muito solícita e animada a todos que a ele se dirigiam, fossem sócios ou serventes da obra.

Após uma conversa sobre planos pessoais e clubísticos, o saudoso Arnaldo de Barros Pires entregou o documento que selaria o destino de José com a agremiação que o abraçava.

Com os olhos brilhando, o mais novo sócio do Clube Internacional de Regatas admirava o título que trazia o seu nome “José Vidal Sion” impresso à caneta tinteiro, em destaque no papel. Aquele seria o primeiro de muitos ippons que o jovem Sion conquistaria, mesmo sem nunca ter pisado num tatame ou vestido um kimono.

José Vidal Sion era um apaixonado pelo voleibol, modalidade na qual se sagrou campeão santista, jogando pelo Clube Atlético Santista. Exímio levantador, foi iniciado na rede do Santos Praia Clube, cuja sede era na casa da família Sion, localizada ao lado da Igreja do Embaré.

Com o falecimento do patriarca Vidal Behor Sion, na década de sessenta, a família decidiu demolir a casa e construir no terreno o Edifício Lucy, nome dado em homenagem à matriarca da família.

Mas, diferentemente do vôlei, as lutas do saudoso José Vidal Sion em busca de ippons para a modalidade Judô ocorreram em outro tipo de tatame: o da política.

E se iniciou em 1967, quando o seu filho, Vidal Sion Neto, começou a lutar no Santos Futebol Clube. José era Conselheiro do clube e passou a acompanhar o filho aos treinos e torneios. Aos poucos começou a se envolver com o esporte, até ser convidado para ser o Diretor da modalidade. Em 1971 foi para o Clube Atlético Santista assumir a direção de Judô da agremiação. O Vermelhinho, do qual era sócio, ainda não tinha essa modalidade em seu quadro esportivo. Ainda.

Nessa época, a Delegacia Regional estava montando uma nova Delegacia em Santos. A capacidade analítica de José Vidal, e a retidão e rigidez na condução dos assuntos que envolviam o esporte, chamaram a atenção do amigo Ernesto Tubel, delegado regional. A proximidade dos dois e o grau e envolvimento de Vidal com o esporte gerou um convite para se tornar tesoureiro da Delegacia de Santos. Depois de um tempo, por questões profissionais, José Vidal precisou se afastar do cargo.

Anos depois, já presidente do Clube Internacional de Regatas, José Vidal Sion recebeu uma visita em sua casa, de integrantes da Delegacia Regional da cidade de São Paulo, entre eles seu grande amigo Adriano Wildo Vaz de Oliveira. Saíram de lá com o comprometimento de Vidal em ser o  novo presidente da entidade. Foram sucessivas gestões como mandatário, intercaladas em dois momentos, que lhe renderam vinte e cinco anos à frente da Delegacia Regional de Judô em Santos.

Mas em paralelo, seu carinho especial pelo Clube Internacional de Regatas permanecia firme, forte. Nele, já era Conselheiro, entre outros cargos importantes que foi assumindo, e que daqui a poucas linhas detalharei.

O amor ao Vermelhinho e ao Judô finalmente unificaram suas Jornadas e pleitearam o direito em consagrar glórias ao clube nessa modalidade quando, no início da década de 90, foi aplicado o mais poderoso Ippon de José Vidal Sion: a decisão de criar um dojô no Clube Internacional de Regatas.

Muito mais do que uma área de treinamento, o dojô tem um forte significado: o de ser respeitado como se fosse a casa dos praticantes, um solo sagrado pelos ancestrais, e para isso deve ser sempre reverenciado ao se entrar ou sair dele.

O dojô Vermelhinho foi instalado no prédio lateral ao restaurante, local em que permanece até hoje. A missão de iniciar os filhos dos sócios nessa arte marcial foi entregue à professora e técnica Telma de Souza. Entre as crianças, os netos de Sion e de Seu Viola, dono de uma concessionária de carros na região. Sua empolgação com o esporte era tanta  que foi o responsável pela doação do tatame para esse dojô.

Depois de um tempo, com o clube se iniciando em competições, o Internacional de Regatas teve o privilégio de contar com a arte e ensinamentos do Sensei Pedro, até hoje à frente das equipes Vermelhinhas.

Em paralelo a todo o trabalho com afinco que desenvolvia no esporte, nosso querido Clube Internacional de Regatas teve o privilégio de contar com toda a dedicação de José Vidal Sion em áreas estratégicas para o clube.

Como o cargo de tesoureiro, que exerceu nas gestões de José Volpe, entre 1974 e 1976; de Fernando Paiva, entre 1976 e 1978, além de exercer também a função de 1º secretário da Assembleia Geral; e de João Malatesta, de 1978 a 1980.

As atividades administrativas no clube foram interrompidas na reeleição de João Malatesta, gestão essa que foi de 1980 a 1982, quando os grupos políticos que atuavam ativamente na agremiação tiveram divergências sobre o rumo do clube, a ponto de metade da Diretoria não concordar com as sucessivas ações determinadas pelo Presidente. Essa sucessão de divergências provocou uma cisão na equipe, e José Vidal Sion decidiu se desligar de suas atividades administrativas.

Mas de forma momentânea, pois dois anos depois retornou às atividades clubísticas empossado como presidente do amado Clube Internacional de Regatas, tendo como vice-presidente Ramon Barreiros De Paula Conceição.

A gestão de José Vidal Sion foi muito boa, e aqui trago à tona de minha memória afetiva, momentos incrivelmente inesquecíveis, como alguns que presenciei nessa época de ainda termos grandes carnavais.

Lembro muito bem de alguns detalhes: as normas eram rígidas quanto às vestimentas, com uso de saias longas, vestidos e blusas sem decotes. Para os homens, calça social ou jeans. Tirar a camisa, nem pensar. A segurança era capaz de botar para fora do clube se a pessoa o fizesse.

Com tanta rigidez com os bons costumes, naquela época ouvia-se muito “Minha filha só vai pular carnaval se for no Clube Internacional”.

Para garantir a preservação dos bons costumes, o clube montava um “bunker” de segurança com aproximadamente setenta pessoas, entre conselheiros, diretores e respectivas esposas; todos os homens e a maioria das mulheres uniformizadas, com poucos seguranças contratados, e ali se dividiam para fiscalizar os excessos que algum incauto folião decidisse fazer.

Mas José Vidal Sion, como tantos outros presidentes do Clube Internacional de Regatas, não se dedicavam apenas em proporcionar momentos inesquecíveis de diversão e confraternização. Trabalhavam duro para manter o clube funcionando em todas as suas áreas, sempre buscando melhorias para favorecer o sócio.

Na gestão de José Vidal Sion, por exemplo, foram realizadas várias transformações no clube.

A construção do miniginásio Aníbal de Souza, onde são praticados futebol de salão, basquete dos veteranos, vôlei feminino e veterano. Sua inauguração aconteceu com uma partida interna entre dois times de futebol, de salão. E hoje esse espaço é conhecido por “La Bombonera”, não só pelas suas dimensões, mas principalmente  pelo impacto que a nossa torcida Vermelhinha provoca nos times que se aventuram em disputar partidas nessa quadra.

A reativação do campo de futebol de areia, hoje conhecido como Arena Interbol, desativado pela gestão anterior a Sion para construção de uma nova sede social. Tal ato trouxe de volta o prazer da prática de futebol nas dependências do clube, hoje o único a ter um campo de areia, preservando uma das tradições santistas, para orgulho de todos os associados.

José Vidal Sion também realizou muitas melhorias em sua gestão, como as novas dependências para os jogos de salão, sinuca e carteado; a construção de uma casa para o saudoso zelador Benedito; refeitório para os funcionários; duas entradas cobertas na portaria; sala de divulgação; uma deliciosa e confortável sala de TV, para animar e descontrair os sócios em seus momentos de descanso; guichês para atendimento ao associado e ao público; novos brinquedos para o playground; na Sede Náutica, a construção de uma moradia para o zelador Sr. Sérgio, necessário para conter as sucessivas invasões em nosso terreno.

E na área esportiva, entre tantas conquistas, destaque para o título de Campeão Brasileiro de Hóquei.

De tantas passagens memoráveis, resgato uma delas, contada pelo sogro de minha querida amiga homônima Maria Helena: José Vidal Sion, na época tesoureiro do clube, ficava numa salinha mergulhado nos afazeres. Numa noite de carnaval, alguns amigos de Sion, entre eles Adriano Wildo Vaz de Oliveira, que na época sugeriu o nome de Sion para a presidência do clube, sendo automaticamente aprovada, decidiram pregar uma peça e provocar sua índole austera e patriarcal.

Entraram na sala, todos com expressão séria, conduzindo o jovem Vidal Sion Neto, que demonstrava uma certa dificuldade em andar.

“Sion, pegamos o teu filho bebendo escondido!”, disse Wildo.

“Mal consegue andar!”, emendou outro amigo.

Sion parou o que estava fazendo, deixou a caneta cair sobre a mesa, olhou para o filho Vidal, depois nos olhos de cada um presente na sala. Deu um suspiro, pegou a caneta de volta.

“Pensam que não conheço a minha sionzada? Tentem outra peça, porque essa não deu certo, bando de canastrões!”, e deu uma deliciosa gargalhada.

Todos caíram na risada, por Sion ter desvendado rapidamente a brincadeira; o jovem Vidal ficou um pouco apreensivo, pois o olhar do pai trazia um misto de grande divertimento e leve reprovação, por ter participado daquela traquinagem.

Para quem conhecia a sionzada, uma forma carinhosa de se referir aos membros da família Sion, a troca de olhares entre pai e filho era um complexo e silencioso diálogo à parte, repleto de simbologias e significados. Como o Amor, o carinho, e o respeito.

Mas isso deixo para uma próxima crônica.

Saudações Vermelhinhas!

 

(Essa crônica é uma homenagem à família Vermelhinha Sion)

 

MICROBIOGRAFIA CLUBÍSTICA – A História da família Sion no C.I.R.

(Em breve)