Meu querido e saudoso pai José Arthur Pimenta Ribeiro dizia, nas rodas de amigos mais íntimos, que a arte da política clubística praticada no Clube Internacional de Regatas tinha a mesma intensidade e precisão que a dos esgrimistas olímpicos, momento em que inflamados associados se mostravam hábeis em cortar o ar com a força de suas narrativas, ou contra atacar as sintaxes expostas pelos opositores com poderosas estocadas verbais.
Da mesma maneira, não era diferente entre os pares existentes nos grupos de oposição que surgiam invariavelmente no clube, buscando na possível alternância de poder a forma salutar de se conduzir o processo sucessório, instalado periodicamente no clube.
Entre tantos ciclos que acompanhei, lembro especificamente de um do início da década de 90, quando o Clube Internacional de Regatas viveu o plantio de uma mudança; e que se revelaria histórica em seu desenlace, impactando definitivamente nos rumos do clube e na forma de ser conduzido.
O berço desse movimento foi lapidado em reuniões que ocorriam em uma das salas da Associação dos Contabilistas, situada em frente às Faculdades de Arquitetura e de Direito, na Avenida Conselheiro Nébias. Delas, surgiria o Movimento Responsável, formado por um grupo de autênticos Vermelhinhos, comandado pelo saudoso Ronald Monteiro, que nessa mesma Associação dos Contabilistas já estivera conduzindo-a como Presidente.
Ronald era de família de portugueses oriunda da Ilha da Madeira, povo sem papas na língua – como se dizia na época –, de cútis branca, rosto vermelho, olhos azuis. Muito direto, engraçado, com um enorme bom humor, amigo demais. Paradoxalmente, era uma pessoa temida por muitos no clube, pelo seu jeito explosivo, desses de bater a palma das mãos na mesa.
E foram noites de muitos debates e violentas batidas à mesa, buscando pela ordem o consenso de encontrar a melhor indicação da chapa a presidente do Clube Internacional de Regatas, e respectivo vice. Nomes iam surgindo, provocando as mais diversas reações, posicionamentos, e alternâncias no humor de Ronald.
Entre os integrantes do grupo, um jovem advogado, neófito conselheiro do clube, acompanhava as reuniões mais ouvindo do que falando, observando atentamente as colocações de seus pares. Em determinado momento, quando o impasse para uma consistente composição dessa chapa ganhava corpo, o neófito conselheiro surpreendeu a todos em sua opinião:
“Por que, por exemplo, não colocamos de vice o José Caridade? Ele vem aqui, fala bem, sabe tudo isso, entende o funcionamento do clube, por que não por ele então de vice?” – a tonalidade vocal saiu bem colocada, segura, revelando temperança e determinação.
Os murmúrios na sala se silenciaram, todos olharam para o neófito conselheiro, como se degustassem sua opinião palavra por palavra. José Caridade era também português, um dos muitos sócios que moravam na cidade de São Paulo, descia religiosamente todos os fins de semana para aproveitar o clube, além de participar de algumas das reuniões do Movimento Responsável, onde suas intervenções eram sempre notadas, pela sua postura e entonação vocal.
Foi então que as atenções de todos se voltaram para Ronald Monteiro, sempre muito espirituoso em suas observações.
– “Pô, esse moleque não falou nada até agora, mas agora falou uma coisa boa. Gostei, esse moleque é bom, vamos ver isso melhor!”- o tom de Ronald demonstrava em sua constatação uma agradável descoberta.
Dessa observação surgiu uma forte e duradoura amizade entre Ronald Monteiro e o jovem advogado e neófito conselheiro Vidal Sion Neto.
…
Lembro da primeira vez em que coloquei meus olhos no menino Vidal.
Eu tinha dezessete anos e estava na piscina recreativa do clube, quando notei uma criança de aproximadamente cinco anos sentada à beira da borda que acessava um ponto mais fundo, pelo menos para o pequeno Vidal.
Enquanto batia seus pés na água, demonstrava uma deliciosa hesitação em se atirar ao desconhecido. Seu olhar, misto de medo e excitação, ora buscava a parte mais funda, ora procurava seus pais, a poucos metros dali, no deck da piscina. A querida Sílvia suspirava de forma aflita como que chamando o filho para seu porto seguro, enquanto José Vidal fazia movimentos com os braços, cortando o ar como se estimulasse o filho a repeti-los na água.
Foi então que, decidido, transmutou em seu ritual de passagem, atirando-se na água e desferindo vigorosas braçadas desengonçadas, até atingir a escada de alumínio, disposta em um dos cantos da piscina, subir por ela, e iniciar novamente sua Odisseia homérica.
Desses mergulhos, Vidal migrou para a piscina semiolímpica onde, como inúmeras crianças da sua idade, aprendeu a nadar. Para ele, foi o máximo que buscou se aventurar nesta modalidade.
Vidal gostava mesmo era de judô. Atleta de desempenho, Vidal treinou e disputou campeonatos pelo Santos Futebol Clube e Clube Atlético Santista. No Internacional, passou a praticar quando seu pai José Vidal Sion inaugurou um dojô, passagem que abordei em outra crônica.
Além do judô, o futebol é outra de suas paixões, esporte que pratica há décadas nas recreações de sábado, com amigos de longos tempos.
Ah, como poderia esquecer: Vidal praticou também vôlei no clube como levantador, na época em que o querido Geraldinho era técnico, e seguindo os passos de seu querido pai José Vidal Sion, campeão pelo Clube Atlético Santista.
E por fim, como seu pai, o nosso jovem neófito conselheiro demonstrava já no início da década de noventa a melhor de suas habilidades: a arte da esgrima no campo político.
…
Voltando ao início dos anos noventa, o Movimento Responsável daria importante passo na primeira eleição indireta que disputou para a gestão de julho de 1990 a junho de 1992: ganharam a eleição de um terço do Conselho, emplacando quarenta conselheiros.
Já na segunda etapa, onde acontecia uma eleição indireta em que os membros do Conselho votavam nas chapas para a presidência, o Movimento Responsável – representado por José Ivanoe Freitas Julião e Wanderley Ciocci – foi derrotado por diferença mínima de votos para a chapa formada por Renato Ney Sertek e Arthur dos Santos Lopo.
Mas a gestão de Sertek não duraria muito tempo. O clube passou a viver politicamente sob forte tensão, tendo de um lado a Diretoria Executiva; de outro, o Conselho Deliberativo. No meio dessa contenda, procurando a via do apaziguamento, estava a Mesa do Conselho que, após inúmeras tentativas e sob forte pressão de ambos os lados, decidiu renunciar de forma coletiva.
Ao mesmo tempo, estabeleceu-se uma sindicância para analisar inúmeras questões que se abatiam sobre a condução da gestão do clube. O descontentamento com as diretrizes escolhidas pela Diretoria ganha cada vez mais força, a pressão torna-se insuportável para o atual mandatário que, através de um editorial, se pronuncia ressaltando que “administrar o clube é uma tarefa difícil, não pela parte administrativa, mas principalmente pelo clima político”.
Em maio de 1992, é lançado um informe para todos os associados, assinado por Ronald Monteiro – então presidente interino em exercício no Conselho -, o vice Pedro Zwoelfer Troncoso e o secretário Wallace Paiva Martins, onde comunicam que – abre aspas:
“a destituição da Diretoria foi tomada em reunião extraordinária de 10 de fevereiro de 1992, após regular processo administrativo, com a garantia de ampla defesa do infrator. Houve também por parte da Comissão Fiscal a rejeição das contas referentes ao ano de 1991, como também haviam sido rejeitadas as contas do segundo semestre de 1990”.
Um dos integrantes dessa Comissão foi Vidal Sion Neto, cujo trabalho reconhecido por todos teve relevância fundamental e de forma irrefutável para os esclarecimentos necessários.
Após realizar essa travessia em meio a vagalhões tempestuosos, o Movimento Responsável seguiu em seu propósito de estabelecer um rumo assertivo para o Clube Internacional de Regatas. Entre tantos autênticos Vermelhinhos, coube a Vidal Sion Neto trilhar sua Jornada de dedicação e com inúmeros ippons, antes de se tornar presidente da Diretoria Executiva.
De 1993 a 2007 se alternou nos cargos de Presidente de Assembleias Gerais, Secretário de Mesa e Presidente do Conselho Deliberativo. Entre 2009 e 2012 foi vice-presidente da Diretoria Executiva por dois mandatos, nas gestões de José Augusto Cintra Mathias. E por fim, presidente da Diretoria Executiva, na gestão 2013/2014.
Sempre fui próxima à família Sion. E conheço profundamente a maneira de pensar do menino Vidal. Por conta de sua vivência e entendimento sobre o clube, na época ninguém era mais cotado para a presidência como Vidal Sion Neto – e aqui coloco minha parca e humilde visão de cronista e sócia do clube.
Mas isso não tornou nada mais fácil a sua vida de presidente ou as suas tomadas de decisões.
Logo na primeira semana de gestão, por exemplo, descobriu que o piso da piscina social tinha uma infiltração muito grande, e já estava em risco de segurança. Contrataram em caráter de emergência uma empresa para fazer o estudo e o reforço estrutural, com postes de ferro e aço , uma obra que custou mais de cem mil reais.
Vidal concluiu uma série de reformas importantes, iniciadas na gestão anterior de José Augusto Cintra Mathias, como a obra de calçamento do clube, a troca de todo o encanamento da rede de esgoto do clube, a entrada social, a alameda dos coqueiros – uma singela homenagem à Avenida Ana Costa.
Mas também seguiu a sequência necessária de reformas e manutenção, como a recuperação das quadras de tênis – que estavam muito ruins -, a troca da rampa no atracadouro da Sede Náutica, a manutenção do telhado do dojô do judô – obra emergencial -, o calçamento do estacionamento, a instalação de ar-condicionado das salas de musculação e de ginástica.
Conhecedora de seus pensamentos, para Vidal o mais importante foi sempre manter o clube dentro da normalidade, com todos os esportes funcionando, disputando todas as competições, e realizando os tradicionais e disputados eventos do clube, como o carnaval e a festa junina.
Em sua gestão, e de comum acordo entre a Diretoria Executiva, optaram por não fazer shows grandes, mas seguir a linha das festas temáticas, como o Haloween, a Festa no Boteco, por exemplo. A cada dois meses faziam uma festa, mas festa de clube, daquelas que se iniciava às nove horas da noite e avançava até à uma da madrugada. Uma festa informal, onde os sócios de trinta a cinquenta anos de idade podiam trazer os filhos, sempre encontrando segurança e um ambiente deliciosamente familiar.
Aliás, Vidal sempre lembrava de uma frase do saudoso Carlos Varella Lamberti, presidente do Clube Internacional de Regatas entre 1970 e 1974: “o clube é uma ilha de segurança”.
Lembro que nessa época, muitos pais deixavam seus filhos no clube e iam a um barzinho, a um cinema, pois ficavam tranquilos por saber que os filhos estavam em segurança, tamanha a notória confiança no clube.
Vidal comentava, vez ou outra, sobre essa atmosfera presente, de ambiente familiar. Ainda hoje, os novos sócios que ao clube chegam, passam por esse processo de percepção. Os filhos se acostumam em um mês a essa sensação de segurança. E os pais, juntos, vão se tranquilizando.
É interessante acompanhar o exemplo que acontece no playground infantil: no começo, os pais ficam numa mesa ali perto; depois, aos poucos, vão escolhendo mesas mais distantes; até que passam a orientar os filhos sobre o local em que estão acomodados e aconselham a eles irem de vez em quando à mesa, para saciar a sede ou a fome. E nesse processo, todos os outros sócios acabam conhecendo os filhos dos outros.
Essa percepção extrapola os muros do clube. Na gestão de Vidal, por exemplo, houve a necessidade de pedir um alvará no carnaval para menor de idade. A juíza, no próprio despacho, escreveu que “O Internacional não precisa que alvará para menor porque eu conheço o Internacional, meus filhos pulam lá”.
Todos conhecem a seriedade do clube. Algo que o Movimento Responsável teve, desde a sua origem, o propósito de fortalecer e expandir.
Saudações Vermelhinhas!
(Essa crônica é uma homenagem à família Vermelhinha Sion)
MICROBIOGRAFIA CLUBÍSTICA – A História da família Sion no C.I.R.
(Em breve)